Convido vocês a compartilharem comigo este processo de resgate histórico das políticas sociais no Brasil, considerando que este é um passo fundamental para que compreendamos o momento social e político que nos encontramos, afinal, somos fruto de nossa própria história, não podendo negar a sua influência em nossa organização e tomada de decisões. Além do mais, aprendemos com a nossa história, seja com os acertos ou equívocos, isto é, são eles que nos fazem buscar a superação e novas construções que um processo dialético permite, ou seja, essa relação de análise, retomada e reanalise, bem como a nova construção é que deve permear a história.
Traço, aqui, um caminho a partir da ditadura militar; ao mesmo tempo que busca-se romper com as conquistas sociais até então, tenta-se construir alternativas, mas que a estas careciam uma visão ampliada de inclusão social e de caminhada da economia com o desenvolvimento social, o que contribuiu para que diferentes atores sociais, mesmo sob a égide da violência imposta pelos militares, buscassem a construção de uma sociedade justa.
Convido você a partilhar comigo, por meio desta unidade, uma reflexão sobre os processos que envolveram a construção das políticas sociais no Brasil até chegarmos no texto constitucional de 1988. Vamos lá?
Quando falamos em Políticas Sociais, estamos falando de proteção social, que é devida pelo Estado ao cidadão. No entanto, não podemos enganar-nos acreditando que tal proteção ocorre naturalmente, a partir dos códigos legais. Devemos observar que, para atingir esse patamar, foi necessário enfrentamento, realizado pelos movimentos sociais, no que tange a garantia de direitos a todos os cidadãos.
Desse modo, a resposta às demandas postas pela questão social acontece a partir de pressões populares estabelecidas por meio dos movimentos sociais em suas diferentes vertentes. Trabalhar com as expressões da questão social faz parte das responsabilidades do Estado, por meio das políticas estabelecidas, que podem ser apresentadas de diferentes maneiras.
As formas de respostas do Estado capitalista são múltiplas. Esse pode antecipar-se a estas lutas, nesse caso, a formulação pública de um problema social pode surgir do próprio campo político, que encontra, nas expressões numéricas dos problemas, ou nas estimativas futuras, uma causa de interesse geral a ser defendida. Alguns respondem de modo a fragmentar os trabalhadores, a quebrar a solidariedade de classe, em outros quanto mais forte a organização da classe operária, maior são as proteções e os grupos cobertos. Todavia, essas formas de respostas são sempre resultantes da luta de classe, e não correspondem às intenções, ou a projetos específicos de cada classe (TEIXEIRA, 2007, p. 2).
Assim, o sistema de proteção social trabalha com as demandas que nascem da questão social, sejam elas o abandono de vulneráveis, o desemprego, a prostituição ou outros, buscando dar respostas por meio das políticas estabelecidas institucionalmente. Isso articula, de certa forma, a distribuição e redistribuição dos bens, sejam materiais, imateriais, sociais ou culturais, mas, na perspectiva de responsabilidade do Estado, rompendo com a visão que predominava no século XIX de que essa responsabilidade estava a cargo de uma rede de solidariedade, a qual desenvolvia suas ações a partir da benesse, das relações filantrópicas não sistematizadas e pontuais, que não respondiam a real necessidade daqueles que se encontravam em situação vulnerável.
No Brasil, caro(a) aluno(a), este quadro não se diferiu de outros vivenciados por outros países, ou seja, o atendimento às vulnerabilidades dos cidadãos esteve centrado, quase que em sua totalidade, nas mãos da sociedade, com pouca intervenção estatal. No caso do Brasil, essa mudança de o Estado assumir a sua responsabilidade diante da expressão da questão social foi assegurada na Constituição de 1988. Antes de chegarmos nessa discussão, é fundamental olharmos para a história, para compreendermos os passos que a construção das políticas sociais percorreram até culminar na inclusão da Carta Magna de 88.
Fagnani (2005) aponta que, mesmo tendo escassez de materiais teóricos e reflexivos sobre as políticas sociais como um todo, antes de 1960, é possível traçar um paralelo de crescimento e desenvolvimento no Brasil.
Além do mais, o autor resgata a compreensão de que, ao falar em políticas públicas, não pode restringir-se àquelas que estão consagradas pelo Welfare State, como saúde, educação e assistência social. No entanto, deve-se considerar outros setores, como habitação, transporte e saneamento básico, bem como devem constar nas agendas governamentais, sendo que este é um reflexo do capitalismo tardio vivenciado pelo Brasil.
Para Behring (2009), a concentração do capital no processo do capitalismo tardio favoreceu a dissimulação do aumento da inflação, bem como gerou uma falsa sensação de crescimento e segurança econômica, com a expansão de crédito. No entanto, este é um processo temporário, próprio desse momento de organização social, sendo que a visão do Laissez-faire está fortemente presente, o que evidencia a falta de condição do Estado de prover as demandas e necessidades dos indivíduos expressas, principalmente, na questão social.
Fagnani (2005) chama a atenção para a falta de condição do Estado de suprir as necessidades populacionais, bem como de atender às expressões da questão social, ao traçar o período e estruturação das políticas sociais no Brasil. O autor resgata os processos de mudanças, as tentativas de vencer as demandas e os processos adotados até o início dos anos 2000, mas que não responderam efetivamente às expressão da questão social.
Sobre o período de desenvolvimento e organização das políticas sociais do Brasil, a visão de Fagnani (2005) parece-nos bastante interessante, principalmente ao afirmar que, embora tenha havido modernização conservadora nessas políticas, tem-se a possibilidade de observar o seu avanço e estruturação no Brasil entre 1964-1985.
O autor trabalha esse tema em quatro momentos, abordando desde o período militar até o período pós constituição de 1988. Os períodos apresentados pelo autor são: “Gestação da Estratégia de Modernização Conservadora (1964-1967); A Modernização em Marcha (1968-1973); Tentativa de Mudança (1974-1979); Esgotamento da Estratégia (1980-1984)” (FAGNANI, 2005, p. 42).
Caro(a) estudante, convido você a estudar, mais aprofundadamente, as quatro fases de desenvolvimento de ações no período militar que, de algum modo, visavam responder às expressões da questão social e observar o que cada uma delas significa para o desenvolvimento do Brasil, mesmo no período de domínio militar no país, quando o cidadão sofreu perdas imensas de seus direitos sociais e políticos, tendo corrido, inclusive, riscos contra a sua vida e daqueles que amava.
É conhecido, no Brasil, como "Regime Militar" o período que vai de 1964 a 1985, em que o país esteve sob controle das Forças Armadas Nacionais (Exército, Marinha e Aeronáutica). Nesse período, os chefes de Estado, ministros e indivíduos instalados nas principais posições do aparelho estatal pertenciam à hierarquia militar, sendo que todos os presidentes do período eram generais do exército. Era denominada "Revolução", em sua época, sendo que os principais mentores do movimento viam o cenário político do início dos anos 60 como corrupto, viciado e alheio às verdadeiras necessidades do país naquele momento. Assim, o seu gesto era interpretado como saneador da vida social, econômica e política do país, livrando a nação da ameaça comunista e alinhando-a internacionalmente com os interesses norte-americanos, trazendo de volta a paz e ordem sociais.
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A primeira fase, a Gestação da Estratégia de Modernização Conservadora, foi de 1964 até 1967. Nela podemos dizer que as políticas sociais assumiram um caráter mais institucional e até mesmo financeiro. Ademais, sua estruturação sofreu os impactos daquele período do golpe com avanços, retrocessos e descontinuidade, buscando reorganizar as instituições brasileiras com algumas reformas implementadas, como a tributária e administrativa, as quais visavam modernizar o aparelho Estatal, mas que não tinham compromisso com o sistema de proteção social, estando mais centradas na gestão econômica.
[...] nessa fase, vigorava, como regra pétrea, que não se poderia transgredir, a idéia de que o gasto social não deveria pressionar o orçamento fiscal. Assim, o paradigma de financiar-se o gasto social a partir das contribuições sociais emergiu como uma das poucas alternativas que não conflitavam com a regra pétrea. Esse modelo era funcional, no novo regime; ao mesmo tempo em que potencializava o “gasto social”, ele alargava o raio de ação do Estado; soldava as alianças empresariais e expandia a cobertura de bens e serviços para as camadas médias. Com isso, o regime militar conseguia dar “respostas” imediatas a um conjunto de questões problematizadas no pré-64. Esse “engenhoso” modelo de financiamento da política social foi progressivamente difundido para a maior parte dos setores sociais (FAGNANI, 2005, p. 57).
Toda a movimentação e articulação de estratégias estavam voltadas para o enfraquecimento e esvaziamento das lutas das forças sociais, com investimento contra as ações sindicais, buscando desmantelá-las. Os trabalhadores foram os mais penalizados pelas políticas implementadas no período, sofrendo o rescaldo mesmo do milagre econômico.
Aqui é forte a oposição do regime militar à organização sindical, buscando a desorganização e desarticulação que este tinha alcançado até a metade dos anos 60. Além do mais, houve prisão de importantes lideranças sindicais, na tentativa de sufocar as mobilizações e impedir a construção de negociações salariais coletivas, sendo que o regime passou a adotar o seu próprio mecanismo para reajuste salarial. Tudo estava mais centrado na contenção salarial do que na garantia de valores reais e justos para a sobrevivência com dignidade.
Outro aspecto da reforma conservadora no campo trabalhista está relacionado à mudança da política de salário mínimo. Entre 1940 e 1963, o salário mínimo era definido pelas Comissões de Salário Mínimo (representação tripartite). Para defini-lo, tomava-se como referência o “mínimo vital de sobrevivência dos trabalhadores de salário de base”, que correspondia ao custo de reprodução da força de trabalho. A partir de 1964, o salário mínimo perdeu as principais características estabelecidas pela legislação de 1940. As Comissões de Salário Mínimo foram extintas e o valor do mínimo passou a ser estabelecido pelo Poder Executivo, sem qualquer relação com o custo de reprodução da força de trabalho. Desde então, os trabalhadores foram penalizados pela política de arrocho do valor do mínimo (FAGNANI, 2005, p. 49).
Sobre essa situação de arrocho e perda salarial, Pochmann (1994) afirma que, entre os anos de 1964-1975, a queda salarial foi vertiginosa, chegando a casa dos 30% ou mais de perda salarial real, o que impactou diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores.
Aliado a esse cenário de arrocho e perda de direitos trabalhistas conquistados e assegurados por meio de forças sociais e sindicais, bem como o excesso de mão de obra disponível no país que provinha, principalmente, do êxodo rural, houve o agravamento da condição de miséria do trabalhador.
Na segunda fase, denominada, pelo autor, como A Modernização em Marcha, entre os anos de 1968 a 1973, o caráter de exclusão da política social consolidou-se. O milagre econômico está em marcha, oferecendo a sensação de estabilidade e crescimento econômico, no entanto, são muitos, mesmo que sob o polegar da ditadura, que fazem o enfrentamento a este cenário.
A sociedade brasileira começa a articular-se para enfrentar este cenário. Os sindicalistas, movimentos religiosos e culturais, bem como muitos artistas emprestam sua voz e imagens, na busca de estruturar a resistência, pois, se por um lado existe uma aparente ideia de riqueza para todos, por outro há a ação dos militares trabalhando na perda dos direitos dos cidadãos.
Portanto, a tomada de consciência, por parte da população, no que se refere às estratégias adotadas pelos militares, era imperativa. Era mister compreender que “milagres econômicos” não se sustentam, pois têm prazo de validade.
Caro(a) aluno(a), um dos exemplos que tivemos no processo de enfrentamento foi entre os cantores, que burlavam a censura e produziam obras que caiam nas graças do povo, pois, de forma velada, conclamavam todos para as lutas. Caetano Veloso, por exemplo, na música “Alegria, Alegria”, de 1967, fala, de forma muito peculiar, contra os anos de chumbo da ditadura no Brasil. Assim, ele faz tudo com tanta maestria que sua letra passa pelos censores e ganha o grande público, o que marca mais um elemento na luta contra a opressão e exclusão apresentada de maneira poética.